segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Natureza Humana

Uma reflexão para o estabelecimento de um Projeto Didático-Pedagógico Cristão

RESUMO
A presente reflexão refere-se ao conhecimento do homem e sua natureza como condição prévia para o estabelecimento de um programa de educação e treinamento. Parto de uma visão geral, passível de aplicação pela educação secular, mas termino a reflexão ressaltando a necessidade de que a educação secular seja complementada por uma educação genuinamente cristã para aqueles que se consideram seguidores do Evangelho de Jesus Cristo. Apresento ideias que, eventualmente, poderão ser peneiradas para extrair uma ou outra de valor, como acontece quando se faz um "brainwriting".

1 INTRODUÇÃO
O homem não nasce pronto. Ele nasce com um campo potencial de possibilidades que podem ou não ser realizadas de acordo com as condições de sua existência. Sua formação como homem, de acordo com a visão do seu grupo de referência, necessita, entre outras coisas, de educação e treinamento.

No caso do cristianismo, essa formação é dada pela igreja - instituição cristã - a que o indivíduo se associa, involutaria ou voluntariamente. Uma adesão involuntária ocorre por nascimento, quando os pais encaminham os filhos segundo sua tradição. Eventualmente o caminho inicialmente seguido é mudado por opção consciente, ou por invisível ação do Espírito.

Este texto situa-se como uma extensão natural de três textos anteriores que escrevi para autoesclarecimento: 1) Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental; 2) Deus, a Bíblia e Seus Intérpretes e 3) Os Sistemas de Doutrinas Cristãos e Suas Verdades. Além desses três textos mais estruturados, fiz algumas reflexões avulsas sobre temas que julguei relevantes.

Tenho a impressão de que o Evangelho simples foi tornado complexo até o limite de sua quase perda de credibilidade. Defendo a volta às raízes, porém sob uma forma de pensar que torne o Evangelho significativo para a mentalidade científica reinante, ou que deveria reinar, nessa era do conhecimento. Para isso, reflitamos sobre o homem e sua natureza, pois é preciso conhecer o homem como sujeito a ser formado e, ao mesmo tempo, como o objeto da educação.


2. O HOMEM E SUA NATUREZA

2.1 - O Problema Geral
A experiência cotidiana permite-nos observar, no ser humano, um conjunto de características cuja intensidade varia de indivíduo para indivíduo. Entre essas características poderíamos citar, num extremo, aquelas que levam ao aperfeiçoamento do caráter; num outro extremo, poderíamos listar várias características que são típicas do comportamento destrutivo. Qualidades antagônicas podem manifestar-se, ocasionalmente, numa mesma pessoa, o que levou certo sábio a dizer que “tudo que é humano não me é estranho”.

No dia-a-dia, muitas pessoas sacrificam-se na fogueira da vaidade em busca de dinheiro, fama e poder, enquanto outras, como verdadeiros santos, sacrificam-se pelo próximo. Guerras são travadas em nome de Deus, da libertação de classes sociais, e em nome da supremacia de raças, com o sacrifício de milhões de vidas. Por outro lado, a inabilidade para o convívio diário com o outro cria ambientes tensos que geram sofrimentos desnecessários durante o encontro humano em tempos de paz. Esse quadro não é mudado automaticamente pela educação formal, uma vez que entre as pessoas mais agressivas e egoístas existem muitos doutores, enquanto a sabedoria pode ser encontrada entre pessoas analfabetas.

Diante desse quadro, o homem reflexivo é atormentado por perguntas que têm permanecido sem respostas satisfatórias ao longo dos séculos. O que é o ser humano, afinal? O que lhe é inerente ao nascer e o que lhe é transmissível pela educação? A seguir serão apresentadas, de forma sintética, algumas entre as mais influentes visões sobre a natureza humana.


2.2 - O Homem Segundo a Tradição
O antropólogo Fernando Schwarz , chefe de Cátedra na Escola de Antropologia de Paris, fez extensas revisões da literatura a respeito do fenômeno humano no campo do Sagrado. Suas pesquisas evidenciaram que, da antiga China à Grécia, da Sibéria ao mundo cristão, dos Maias pré-colombianos ao Egito dos faraós, o denominador comum de todas as Tradições é uma constituição esotérica do homem, fundada numa estrutura ternária do Universo.

A criação estaria dividida em três esferas que se interpenetram: o mundo material simbolizado pela Terra, o mundo espiritual simbolizado pelo Céu e o mundo intermediário simbolizado pela atmosfera, reunindo os dois precedentes, no qual vive o homem. Segundo essa visão o homem seria um ‘microcosmos’ ou ‘pequeno universo’, possuindo em si a mesma estrutura organizada do Universo.

Platão, assumindo essa visão, assim descreveu, no Timeu, a criação da alma humana: “o demiurgo formou primeiro a alma imortal (nous), isto é, a inteligência; após o que, os deuses subalternos, enquanto encerravam essa primeira alma num corpo físico (soma), formaram a alma mortal (psyché), composta da coragem e do desejo. Assim, em nome de sua união com o corpo, a alma se torna sujeita à morte; somente é imortal a alma inteligente, que é a alma na integridade de sua natureza divina”.

A essas três partes do homem corresponderiam quatro virtudes: sabedoria, coragem, temperança e justiça, que são as mesmas no indivíduo e no Estado. A sabedoria é a virtude da alma inteligente (nous), enquanto possui o conhecimento que lhe permite exercer o comando; a coragem é a virtude da alma intermediária (psyché), enquanto obedece às ordens da inteligência. A psyché deve ter uma segunda virtude: a temperança, que lhe permite dominar sua parte concupiscente. Já a justiça, tanto no indivíduo como no Estado, manifesta-se quando as diversas partes estão em acordo entre si, cada uma executando sua função própria, sendo esta o equivalente à saúde para o corpo (soma).

A partir da estruturação anterior, Platão imaginava que a educação, visando a um estado de harmonia e felicidade, deveria incluir a ginástica, a música e a filosofia, em relação, respectivamente, com os mundos físico, psicológico e espiritual. Platão tinha um enfoque teocentrista, ao contrário do enfoque antropocentrista do seu discípulo Aristóteles. Sua visão teocentrista admitia, porém, que o “o homem é um deus, mas disto já se esqueceu”.

A partir da aceitação de uma estrutura ternária do Universo e do homem, certas Escolas de Sabedoria do Oriente e do Ocidente desenvolveram vias de ação mais detalhadas a fim de compreender o fenômeno humano; assim, pode-se encontrar a estrutura ternária desdobrada em 5, 7 ou 9 elementos.

A Tradição judia reconhecia a estrutura ternária, com a alma vivente sendo resultante da união do corpo com a inspiração do Espírito. O Maia, como o Budista, reconhecia cinco elementos constitutivos do homem. A Índia e o Egito, sociedades tradicionais por excelência, referiam-se a uma chave setenária. A Grécia de Platão concebia uma estrutura ternária, reflexo direto da estrutura do Universo: soma ou parte física, psyché ou parte psicológica ligada à alma (psyché = alma) e nous, a parte espiritual do homem. O cristianismo retomou a visão ternária usando a nomenclatura espírito, alma e corpo, que São João inscreveu no seu Evangelho na forma de verbum (mundo espiritual), lux (luz, estado físico) e vita (mundo corporal).

Na visão cristã, o homem é um ser criado à imagem e semelhança de Deus, tendo usado o seu livre arbítrio para corromper-se e afastar-se do seu estado de perfeição. Sua redenção poderia ser conseguida unicamente pela fé, mediante a graça salvadora do filho de Deus seu criador. A ética cristã valoriza a pobreza voluntária e o desapego à riqueza, que não é incompatível com a riqueza material lícita, ou seja, aquela que não se apodera do homem e nem o faça esquecer a sua realidade de membro de uma comunidade fraterna, submetida à lei do amor.

Na visão budista, o homem seria naturalmente imperfeito, porém, perfectível a partir do esforço para compreender e viver segundo as quatro nobres verdades: i) a insatisfação faz parte da realidade humana; ii) os anseios e os desejos são a fonte da insatisfação; iii) a extinção do desejo leva à extinção do sofrimento e iv) somente o caminho intermediário, ou moderação, pode eliminar os desejos e a insatisfação. Na perspectiva budista, enquanto não atingir a perfeição, o ser humano participaria de um ciclo de encarnação/desencarnação, para redimir-se de suas faltas passadas. A solução final estaria na busca do aperfeiçoamento contínuo da personalidade e de tudo que esteja ao alcance da ação humana.

Em oposição à visão da Tradição, geralmente criacionista, os evolucionistas vêm no ser humano apenas um dos produtos da natureza. Sua evolução teria acontecido nos planos biológico e cultural, com o primeiro plano tendo realizado praticamente todo o seu potencial. Na atualidade, a evolução humana dar-se-ia principalmente no plano cultural, com uma grande expectativa quanto à possibilidade de recriação humana pela manipulação genética. Maturana e Varela, abordando o homem a partir de uma visão sistêmica da biologia, enfatizam que a construção do ser humano em sociedade dá-se pelo compartilhamento de linguagem e emoção, ressaltando a importância do amor como elemento fundamental para se estabelecerem comunidades autopoiéticas, isto é, que se autoconstróem.


2.3 - Abordagem Marxista versus Freudiana
Vázquez afirma que: “Para Marx, o homem real é uma unidade indissolúvel, um ser espiritual e sensível, natural e propriamente humano, teórico e prático, objetivo e subjetivo. O homem é, antes de tudo, praxis: isto é, define-se como um ser produtor, transformador, criador; mediante o seu trabalho, transforma a natureza externa, nela se plasma e, ao mesmo tempo, cria um mundo à sua medida, isto é, à medida de sua natureza humana. (...). Ele seria, ainda, um ser social e histórico.”

Como ser social e histórico, o homem não teria uma natureza intrínseca, boa ou má, mas seria um produto do sistema social, embora esteja ao seu alcance reconstruir esse sistema. A propriedade privada dos meios de produção seria o principal empecilho à realização da essência humana, levando à escravização de toda a classe trabalhadora, ainda que sob aparência de liberdade. Marx e Engels concluíram que a história segue uma lei inexorável em direção a uma sociedade verdadeiramente humana, sem explorados e exploradores, que atingiria o seu clímax no comunismo. Nesse sistema, cujo advento poderia ser acelerado pelo socialismo científico – tese que não se confirmou nos experimentos até então realizados -, o homem superaria o reino da necessidade e manifestaria sua verdadeira essência de solidariedade e liberdade criadora.

A psicologia sócio-histórica, criada por Vygostky, assim expressa a sua visão do desenvolvimento humano: “a cultura e a tecnologia fortalecem teleologica e causalmente a consciência. Assim sendo, a consciência incorpora o caráter de suas mediações culturais e tecnológicas formativas, e sua forma, conteúdo e nível de desenvolvimento refletem as mediações culturais e tecnológicas. Essa consciência social medeia o impacto dos estímulos. As emoções, as sensações, as necessidades, a percepção e a recordação são partes integrantes da consciência social e estão impregnados de seu caráter social consciente. Finalmente, os indivíduos atuam sobre o mundo do estímulo pela intermediação da tecnologia e das instituições sociais.” Na opinião do biólogo Schneirla , adepto da psicologia sócio-histórica “é válido falar de uma ‘natureza do verme’, de uma ‘natureza da formiga’ ou, até mesmo, de uma ‘natureza do pássaro’, mas não de uma ‘natureza humana’, porque o homem pode ter toda e qualquer natureza que permitam as condições de sua criação e de sua situação social”.

Contrapondo-se à visão marxista, embora sem a intenção de combate político, Freud, criador da psicanálise, interpretou o homem a partir do seu aparelho psíquico, tentando esclarecer sua natureza fundamental, herdada e adquirida. Ele alertou que o seu modelo era imperfeito, apesar de útil, devendo ser modificado quando se conhecesse o suficiente sobre biologia. Alertou, ainda, para o fato de sua análise referir-se ao indivíduo na sociedade, e não como ser existente por si mesmo. Sua psicologia seria, portanto, também uma sociologia. Seu mapa da alma destaca três reinos: superego, ego e id, englobando cinco campos.

O superego eqüivale ao educador introjetado. Identifica-se com a sociedade normativa. O ego consciente está a serviço da percepção e da ação, em relação direta com o mundo externo. O pré-consciente é a outra parte do ego, contendo as informações inconscientes não reprimidas, e o campo neutral-vital, representando as necessidades vitais fisiologicamente determinadas. Estas, em última análise, representariam o principal impulso para a ação, no homem e nos animais.

Para Freud, os interesses individuais estão, quase sempre, em colisão com os interesses da civilização. Desta forma, toda evolução da civilização implicaria a imposição de restrições a que o indivíduo obtenha a plenitude do prazer instintual egoísta. Essa repressão, por outro lado, levaria o indivíduo a um estado de neurose que, no limite, se transformaria em doença permanente. As formas de educar para a civilização decorreriam da combinação entre: coerção, liderança pelo exemplo, trabalho, arte, esportes e conhecimento. Embora ateu, ele ainda destacou o grande papel da religião para a civilização.

Tendo em vista as conclusões a que chegou sobre o fenômeno humano, Freud manifestou total descrença no futuro do marxismo, atribuindo-lhe o status de uma “insustentável ilusão”, por basear-se, segundo ele, numa teoria errônea sobre a natureza humana. Para ele, os impulsos biológicos contraditórios que movem o homem não seriam eliminados junto com a extinção da propriedade privada, embora a eliminação da desigualdade econômica pudesse suprimir uma das principais causas de injustiça. Por outro lado, os marxistas caracterizaram a psicanálise como “psicologia do homem ocioso”, pois ela teria esquecido que os homens se definem pelo seu trabalho, por sua relação com o mundo objetivo .

Embora Marx e Freud pareçam irreconciliáveis, com o primeiro justificando o socialismo e o segundo sendo evocado para justificar o capitalismo como adequado à natureza humana, Fromm procurou demonstrar que o terreno comum entre os dois foi o esforço para romper as cadeias da ilusão e dar ao homem uma visão da realidade, usando para isso três elementos principais: a dúvida, o poder da verdade e o humanismo. Fromm ilustra a semelhança entre o núcleo central das idéias de Marx e Freud por meio de algumas citações dos mesmos.

De Marx ele destaca: “As exigências de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar a uma condição que necessita de ilusões.” “A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva.”

Quanto a Freud, Fromm destacou: “Os homens não podem continuar sendo sempre crianças; devem, por fim, enfrentar a vida hostil. A isso podemos chamar de educação para a realidade.” “Não, nossa ciência não é uma ilusão. Mas seria ilusão, isso sim, supor que possamos encontrar noutra parte aquilo que a ciência não nos pode dar.” “Onde houver Id, haverá Ego.”

Fromm defendeu que, para compreender o homem, é preciso partir de suas necessidades, conforme resultam das condições de sua existência. Ele afirmou, com base em ampla experiência clínica e estudos, que o homem se defronta com algumas opções de cujo equilíbrio depende a sua saúde mental: a) relacionar-se com o outro ou cultivar o narcisismo; b) evoluir pela liberação de suas tendências criadoras ou involuir pela vazão de suas tendências destrutivas; c) assumir a fraternidade ou praticar o incesto; d) optar pela individualidade ou pela conformidade gregária; e) submeter-se à razão ou agir de forma irracional. A saúde mental, em suma, dependeria das condições de existência, e o conceito seria o mesmo para os homens de todas as épocas: “A saúde mental se caracteriza pela capacidade de amar e criar, pela libertação dos vínculos incestuosos com o clã e o solo, por uma sensação de identidade baseada no sentimento de si mesmo como o sujeito e o agente das capacidades próprias, pela captação da realidade interior e exterior, isto é, pelo desenvolvimento da objetividade e da razão.”


2.4 - A Síntese de Maslow
Entre as principais teorias da personalidade, selecionadas por Fadiman e Frager , será destacada a tentativa de síntese realizada pelo psicólogo humanista Abraham Maslow, por sua grande influência no ocidente e no Japão do pós-Guerra. Sua postura otimista pode ser resumida em suas próprias palavras: “Para simplificar a questão, é como se Freud nos tivesse fornecido a metade doente da Psicologia e nós devêssemos preencher a outra metade sadia.”

Maslow pesquisou alguns modelos de seres humanos sadios que poderiam ser tomados como exemplos do que, potencialmente, os homens poderiam se tornar. As pessoas que escolheu para estudar estavam relativamente livres de neuroses ou de problemas pessoais maiores, usavam da melhor maneira possível os seus talentos, capacidades e outras forças. Ele as chamou de “autoatualizadoras”, significando que elas estavam em permanente processo de crescimento, fazendo realizar os seus potenciais.

Ele enumerou as seguintes características dessas pessoas:

• Percepção mais eficiente da realidade e relações mais satisfatórias com ela;
• Aceitação (de si, dos outros e da natureza);
• Espontaneidade, simplicidade e naturalidade;
• Concentração no problema, em oposição ao estar concentrado no ego;
• Desprendimento e necessidade de privacidade;
• Autonomia em relação à cultura e ao meio ambiente;
• Pureza permanente de apreciação;
• Experiências místicas e culminantes;
• Sentimento de parentesco com outros;
• Relações pessoais mais profundas e intensas;
• Caráter democrático;
• Discriminação entre os meio e os fins, entre o bem e o mal;
• Senso de humor filosófico e não hostil;
• Criatividade autoatualizadora;
• Resistência à aculturação: a transcendência de qualquer cultura específica.

Não se pode perder de vista que o próprio Maslow concluiu que não existem mais do que 2% de pessoas autoatualizadoras. Quando tentou aplicar suas idéias à administração da fábrica de um parente, descobriu a diferença entre teoria e prática, tendo concluído que o desenvolvimento de altas expectativas quanto às pessoas chega a ser cruel para com aquelas que não podem corresponder à altura. Em verdade, a única maneira racional e justa de lidar com as pessoas seria permitir que os seus potenciais sejam atualizados de forma a fluir, sem ansiedade ou tédio, de acordo com as provas científicas mais recentes obtidas por Csikszentmihalyi .

Uma das mais citadas contribuições de Maslow é a sua hierarquia das necessidades humanas. Para ele a neurose e o desajustamento psicológico são “doenças de carência’, isto é, causadas pela privação de necessidades básicas. As necessidades por ele enumeradas manifestam-se simultaneamente nas pessoas, porém, com intensidades diferentes, exigindo satisfação de acordo com a demanda. Sua hierarquia de necessidades é a seguinte:

• Necessidades fisiológicas (fome, sono, etc.);
• Necessidades de segurança (estabilidade, ordem);
• Necessidades sociais (família, amizade);
• Necessidades de estima (auto-respeito, aprovação);
• Necessidades de autoatualização (desenvolvimento de capacidades).

Maslow chamou a atenção para o fato de que quando um organismo, animal ou humano, não está com fome, dor ou medo, novas motivações emergem, tais como a curiosidade e a alegria. Sob essas condições o organismo superaria a motivação de deficiência, orientada para fugir do sofrimento, e entraria num estado de motivação do ser.

Os seres humanos entram em atividade para satisfazer suas necessidades. Para obter a sua cooperação é preciso dar-lhes a esperança, alimentada por fatos e dados concretos, de que o esforço inteligente é a única forma de satisfazer tais necessidades, no presente e no futuro. As organizações mais avançadas, por exemplo, não se contentam em satisfazer as necessidades materiais e sociais dos seus colaboradores, acenando para a realização de uma missão nobre, de valor para a nação e para a humanidade. Veja-se, por exemplo, ainda que pareça falso, a declararão da missão da empresa HP: “Inovar para o bem da humanidade”. Veja-se, também, o ponto de vista do empresário Matsushita, mais adiante.

Pesquisando o que havia em comum sobre os motivos que levam os homens à ação entre vários autores da mesma linha de Maslow, a que deu o nome de psicologia perceptiva, Saint-Arnaud identificou três níveis de necessidades que geram os comportamentos humanos: as necessidades fundamentais, as necessidades estruturantes e as necessidades situacionais. A necessidade fundamental seria um elemento de atualização que manifesta uma exigência inata do organismo, exigência que não pode deixar de ser satisfeita sem graves conseqüências para o desenvolvimento do organismo. São elas: as necessidades físicas (ou biológicas), incluindo comer, dormir etc. e as necessidades psicológicas: amar e ser amado, produzir e compreender. A necessidade estruturante seria um aspecto da estrutura motivacional de natureza sócio-cultural, como os hábitos de vida que são desenvolvidos em função da tradição: três refeições, oito horas de trabalho, religião, ciência, leitura etc.. A necessidade situacional permite expressar as necessidades fundamental e estruturante num dado momento qualquer: estou com fome, estou com sono, vou rezar, quero conversar com Sílvia etc.. O desenvolvimento humano sadio ocorreria, assim, quando o ambiente fornecer os ingredientes de que o organismo necessita para desenvolver-se normalmente, tendo em vista a satisfação de suas necessidades.

À psicologia humanista, da qual Maslow foi o principal expoente, contrapôs-se a psicologia comportamentalista de Skinner . Enquanto os humanistas acreditavam numa motivação intrínseca, como o trabalho por amor ao trabalho, em ambiente sadio, Skinner tomou como hipótese forte o condicionamento operante, isto é, a reação a estímulos associados a recompensa ou punição. Enquanto a visão humanista parece mais nobre, sendo evocada sem receios, a visão de Skinner, embora nem sempre explicitada, e nem sempre julgada à altura da dignidade humana, incorporou-se ao dia-a-dia da educação e das organizações humanas em geral. Recompensar os bons resultados e, com alguma concessão, deixar de punir os maus resultados, tem sido a prática corrente no trato com as pessoas visando à sua capacitação e realização dos seus potenciais.


2.5 - O Ponto de Vista de um Empresário-Filósofo
Os empresários, como quaisquer outros seres humanos, não estão obrigados a agir somente por motivos egoístas, embora geralmente sejam acusados de fazê-lo. Platão, por exemplo, julgou que as pessoas ambiciosas tinham na indústria e no comércio a sua atividade natural. Smith , considerado um dos pais da economia, disse, de certos empresários, que eles constituem “uma classe de homens cujo interesse nunca é igual ao do público, que têm em geral o interesse de enganar e até oprimir o público, e que, por isso, em muitas ocasiões, têm efetivamente enganado e oprimido o público.”

Konosuke Matsushita, empresário-filósofo japonês, representou uma exceção explícita a esse julgamento depreciativo, tendo dedicado parte de sua vida à reflexão sobre a natureza humana. Após entrar em contato com a literatura sobre o tema, de caráter geralmente pessimista, ele concluiu que sua experiência colocava por terra todas as premissas negativas sobre o ser humano. Argumentou que o ser humano foi capaz, ao longo da história, de inventar coisas maravilhosas para melhorar a vida na Terra. Ponderou que o progresso da civilização só foi possível graças à cooperação e ao trabalho incansável de muitas pessoas que, em alguns casos, nem mesmo chegaram a usufruir dos benefícios do seu trabalho. Como poderiam essas pessoas ser classificadas como más?

A experiência de Matsushita foi notável, principalmente por ter demonstrado que homens simples, sem instrução, quando incentivados, desafiados e apoiados, podem realizar feitos surpreendentes. Ele conseguiu que muitos dos seus empregados, simples agricultores analfabetos, se tornassem inventores, espelhando-se no autodidata americano Thomas Edison.

Seu segredo, segundo ele próprio, foi criar uma missão nobre e compartilhá-la com os seus colaboradores. Ele argumentou que não se deve esperar empenho de alguém que não vê benefício para sua família, sua pátria e a humanidade, ao mesmo tempo que o seu trabalho enriquece a família dos outros. Tendo em vista essa descoberta ele explicitou, após muita reflexão, os princípios fundamentais que herdara de sua educação e que aplicara, intuitivamente, no trato com os seus colaboradores. Alertou que seus princípios foram, primeiramente, praticados e, só depois, registrados em documentos.

Os princípios adotados por Matsushita foram:

1. Serviço ao Público;
2. Justiça e Honestidade;
3. Trabalho em Equipe para uma Causa Comum;
4. Incansável Esforço de Melhoria;
5. Cortesia e Humildade;
6. Harmonia com as Leis Naturais;
7. Gratidão pelas Bençãos.

Ressalte-se que se tornou moda expressar a filosofia das organizações humanas destacando-se sua visão de futuro, sua missão e seus valores. Entretanto, raramente se tomam os cuidados tomados por Matsushita, que expressou aquilo que, segundo ele próprio, constituía a sua prática, e não a simples colocação no papel de ideais pomposos. A questão dos valores, portanto, torna-se central para a compreensão do homem em sociedade.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A observação do comportamento humano no dia-a-dia, as lições da História, os insights dos grandes escritores, bem como a leitura de textos especializados evidenciam que o ser humano tem, em potencial, a virtude e o vício dentro de si. A prova de um desenvolvimento humano bem-sucedido está na capacidade de se fazer prevalecer a virtude sobre o vício, o que exige a construção de ambientes sociais propícios, ainda que não se possa garantir resultados sempre positivos no desenvolvimento de pessoas sadias a partir de ambientes sadios.

As qualidades humanas, inatas ou adquiridas, compõem um espectro de ampla variação. Embora a satisfação de necessidades básicas se imponham como condição da existência humana, em muitos casos predominam desejos que, se satisfeitos sem controle, constituem riscos para a sociedade como um todo.

A civilização, que representa o rompimento com a obediência cega aos impulsos naturais, só é possível mediante a educação que leve ao autodomínio, para que cada membro da coletividade faça distinções claras entre necessidades e desejos, nos planos individual e social. O posicionamento pessoal que liberta, a longo prazo, só pode ser baseado em conhecimento vivido, intelectual e experimentalmente, pelo indivíduo no contexto da sociedade.

As diferentes teorias sobre a natureza humana ainda não deram conta de solucionar o problema do desenvolvimento humano sadio; entretanto, os sintomas de saúde mental deficiente da civilização tornam-se gritantes, exigindo ações baseadas em solidariedade e conhecimento. Não há, portanto, que esperar a emergência de teorias corretas para agir. É preciso mobilizar o potencial humano para, a partir das condições imperfeitas do presente, construir a sociedade do futuro, com base no diálogo permanente. Para isso é preciso promover o desenvolvimento humano levando-se em consideração que há um tênue limite entre as suas necessidades e os seus desejos. Tendo em vista a sua complexidade, melhor seria considerar o homem como um ser bio-psico-socio-espiritual.

Concluindo esta reflexão, sob a perspectiva de um cristiansimo crítico e prático, e não importando se a visão cristã correta é dicotômica - aquela que diz que o homem tem apenas corpo e alma -, ou tricotômica - aquela que diz que o homem tem corpo, alma espirito -, é preciso reconhecer que ele é, antes de tudo, criado à imagem e semelhança de Deus. O homem caiu de sua grandeza, e só pode ser reconciliado com Deus por meio de Jesus Cristo como mediador. Ele precisa ser educado e treinado para adquirir as qualidades de Cristo, porém ressaltando que nem todos, uma vez submetidos a tal educação, responderão positivamente a ela, uma vez que nem todos foram eleitos para serem salvos por Jesus Cristo.

Assim, a educação secular saudável é compatível, em seus fundamentos universais, com uma educação cristã, e deve ser oferecida a todos. Mas, para os cristãos, a educação cristã precisa sobrepor-se à educação secular. E isso só pode ser feito por instituições e igrejas cristãs, sejam elas católicas romanas, reformadas, ou independentes. Uma proposta de um Projeto Pedagógico cristão básico será feito na próxima reflexão.


4. FONTES BIBLIOGRÁFICAS PARA ESTA REFLEXÃO
SCHWARZ, Fernando. A Tradição e as Vias do Conhecimento Ontem e Hoje. Nova Acrópole, 1993.
WILSON, Edward 0. On Human Nature. Harvard University Press, 1994.
MATURANA R. , Humberto & VARELA G. , Francisco. A Árvore do Conhecimento. Editorial Psi.
VÁZQUEZ, A Sanches. Ética. Civilização Brasileira, 1996.
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FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. Imago.
FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão. In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. Imago.
FOULQUIÉ, P. A Psicologia Contemporânea. Nacional, 1955.
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FADIMAN, James & FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. Harper & How do Brasil, 1979.
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SAINT-ARNAUD, Ives. A Pessoa Humana. Edições Loyola, 1984.
SKINNER, Burrhus Frederic. O Mito da Liberdade. Summus, 1983.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Ediouro.

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